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O TRABALHO CRIATIVO E A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NO AMBIENTE DIGITAL

  • Foto do escritor: Laryssa Lima
    Laryssa Lima
  • 16 de jan.
  • 8 min de leitura

Escrito por Laryssa Lima, Assistente de Novos Negócios, e Wilson Neto, Assistente de Projetos



A relação entre trabalho criativo e inteligência artificial no ambiente digital é marcada por oportunidades e desafios que transformam profundamente o setor cultural. Por um lado, a IA oferece ferramentas poderosas para criação, distribuição e preservação de conteúdos; por outro, levanta questões cruciais sobre autoria, direitos autorais e remuneração justa. Em um cenário onde as plataformas tecnológicas lucram com algoritmos avançados, os artistas frequentemente enfrentam dificuldades para monetizar suas criações. Esse desequilíbrio destaca a necessidade urgente de repensar modelos econômicos e jurídicos, para que a criatividade humana seja protegida e valorizada em um mundo cada vez mais influenciado pela automação.


Para iniciarmos qualquer debate sobre o tema, precisamos primeiro questionar o modelo de consumo no qual estamos inseridos. O uso de IA é uma parte substancial do nosso cotidiano, presente em tarefas das mais diversas naturezas. Chegamos a um ponto em que já não conseguimos distinguir o que é verdadeiramente nosso e o que passou a ser influenciado por algoritmos. No entanto, essa influência já faz parte do nosso dia a dia e, por consequência, do nosso ser. Não existe mais vida sem essa relação; um bebê, hoje em dia, já nasce com um perfil e, desde a maternidade, inserido nesse modelo. Portanto, é necessário que sejamos mais honestos conosco mesmos ao abordar o debate sobre direitos autorais, propriedade intelectual e IA.


Não existe vida fora das redes. Se um jovem decide montar uma banda, sua principal preocupação, no início, não é com a música, mas com a imagem que a banda terá virtualmente. Ele se preocupa com os conteúdos necessários para buscar engajamento, validação em seus nichos e para entreter as pessoas; a música fica em segundo plano. Esse é apenas o exemplo mais simples que posso dar. Se alguém quiser abrir um restaurante, será possível evitar as taxas abusivas do iFood? A sociedade, hoje, conseguiria viver sem um serviço como o Uber? O que seríamos nós sem um mercado virtual como o da Shopee, Amazon e outros? Logo, não há mais vida sem a influência e ação direta de uma IA em nossos hábitos do dia-a-dia. Essas empresas conseguiram criar um novo modelo econômico baseado em um loop de preferências e respostas positivas às futuras sugestões, algo que será explicado mais adiante. Portanto, toda e qualquer atividade humana em uma cidade como São Paulo, por exemplo, está imersa nessa ideia, em algum nível, dentro do contexto coletivo. E essa influência se faz presente de forma direta, desde a hora de acordar até o momento de dormir, na vida privada de cada cidadão, incluindo nós, que trabalhamos com arte e cultura. Por isso, não há mais direito autoral ou propriedade intelectual que esteja imune a essa influência, considerando que a sociedade não sobrevive mais sem a ação das IAs.


As contribuições e o contexto internacional destacam a relevância de esforços globais para regulamentar os impactos da inteligência artificial no setor criativo, especialmente no que tange à proteção de direitos autorais e à remuneração justa dos artistas. A União Europeia, em sua resolução de 2020, enfatiza valores como supervisão humana, transparência, e responsabilidade social na regulamentação da IA. A Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) tem atuado como um importante fórum para discutir políticas e diretrizes sobre o tema, mas desde 1996, ainda não se consolidou uma solução eficaz que atenda às demandas de um cenário tecnológico em constante evolução.


Pesquisas revelam como debates internacionais têm apontado lacunas na regulamentação, esse contexto evidencia a necessidade de maior cooperação internacional e de novas abordagens que considerem as especificidades culturais e econômicas de cada país, ao mesmo tempo em que promovem uma proteção uniforme e equitativa aos criadores.


A Lei de Direitos Autorais brasileira (Lei nº 9.610/1998) protege os direitos morais e patrimoniais dos autores, assegurando-lhes remuneração pelo uso de suas obras. Recentemente, o Senado Federal aprovou o marco regulatório da inteligência artificial, que propõe a criação do Sistema Nacional de Regulação e Governança de Inteligência Artificial, alinhando o Brasil às melhores práticas internacionais. O projeto estabelece princípios fundamentais para o desenvolvimento e uso de IA, incluindo transparência, segurança, confiabilidade, ética e respeito aos direitos humanos.


Embora ainda não haja previsão legal específica que contemple integralmente a proposta de remuneração equitativa para artistas no contexto de IA, essas iniciativas indicam um movimento em direção à atualização da legislação para proteger os criadores de conteúdos culturais e garantir que modelos de IA respeitem os direitos autorais.


O setor musical exemplifica de forma contundente os desafios econômicos e jurídicos que a inteligência artificial e as plataformas digitais impõem aos artistas. O modelo atual de distribuição de música, amplamente baseado em serviços de streaming, favorece desproporcionalmente as grandes gravadoras e as empresas de tecnologia, enquanto os músicos frequentemente recebem uma parcela ínfima da receita gerada por suas obras. A IA exacerba esse cenário ao permitir a criação de músicas derivadas ou imitativas, muitas vezes sem o consentimento ou a remuneração dos autores originais. Esse desequilíbrio expõe a necessidade urgente de reformas no modelo de monetização e na regulamentação de direitos autorais, buscando assegurar uma remuneração justa e direta aos artistas, preservando o valor e a autoria de suas criações.


A proposta de remuneração equitativa pode surgir como uma solução inovadora para estes desafios, se propor um novo direito de remuneração direta, que seria inalienável e independente de intermediários, garantindo que os artistas recebam de forma justa pelo uso de suas obras. Essa medida visa corrigir o desequilíbrio atual, em que grande parte dos lucros beneficia intermediários, como gravadoras e plataformas de streaming, em detrimento dos criadores. Ao priorizar pagamentos diretos e justos, a proposta não apenas reconhece a importância da contribuição criativa humana, mas também estabelece um modelo mais sustentável e transparente para o setor cultural, protegendo os direitos econômicos e a dignidade dos artistas.


Existem algumas iniciativas e fundamentos legais que poderiam embasar essa proposta, embora ainda existam lacunas específicas na legislação, especialmente em relação ao uso de inteligência artificial.


Agora que esse cenário tenebroso está mais claro, a pergunta que fica é: como minimizar a ação dessas ferramentas em nossos processos de criação, se toda a nossa vida está aprisionada a essa nova forma de capitalismo que nos é imposta? Pensar sobre isso me deixa, em certa parte, aliviado, em outra atormentado, e na menor delas, esperançoso. Caso realmente desejemos romper com esse inevitável paradigma entre os processos criativos atuais e a IA, será necessário tomar outra via, feita à nossa maneira. Surge, assim, a urgente necessidade de uma nova forma de consumir cultura. Enquanto houver demanda pelo uso de streamings (tomando esse exemplo no âmbito da cultura), de música à filmes, os artistas continuarão a se submeter a essas plataformas, mantendo um ciclo que se auto alimenta e beneficia apenas alguns poucos bilionários donos das big techs, enquanto os consumidores ficam acorrentados a um algoritmo que cada vez indica músicas melhores ao seu gosto, numa relação simbiótica: o que você gosta leva o algoritmo a sugerir o que talvez você também goste, para que você afirme positivamente e indique que gostou, permitindo ao algoritmo aprender com sua resposta e aprimorar sua indicação, criando um ciclo infinito que nos mantém aprisionados. Nesse loop, tanto eu quanto você continuamos condicionados, e os artistas forçados a buscar incessantemente essa demanda por algo novo que agrade você, para que, através de você, ele chegue a outras pessoas que talvez também gostem. E essas pessoas, em alguns momentos, responderão positivamente ao estímulo, permitindo que o artista chegue a mais e mais pessoas, mantendo-o, assim, aprisionado a esse modelo. Logo, não há como pensar em uma não influência da IA nos processos criativos e, consequentemente, em toda a propriedade intelectual gerada. Essa não surge mais do âmago do artista, mas, na maioria das vezes, da necessidade de manter esse ciclo de consumo no qual ele, obviamente, precisa se submeter para receber suas migalhas.


A inteligência artificial generativa tem levantado debates éticos e jurídicos significativos no campo dos direitos culturais, especialmente em relação à autoria e remuneração justa. Ferramentas de IA podem criar obras derivadas ou imitativas de estilos artísticos existentes, muitas vezes sem o consentimento ou o reconhecimento dos criadores originais. Isso gera preocupações sobre plágio e apropriação cultural, além de ameaçar a originalidade e a autenticidade das expressões culturais. Esses desafios são especialmente evidentes em setores criativos como o audiovisual. Casos recentes, como a greve de roteiristas nos EUA e o tão discutido comercial com Elis Regina, ilustram as tensões entre avanços tecnológicos e direitos trabalhistas.


Esses exemplos também nos mostram como a IA traz a possibilidade de explorar novas fronteiras criativas, criando combinações entre tecnologia e emoção, apontando para um futuro onde criatividade e inovação caminham juntas.


A regulação e a transparência são pilares fundamentais para equilibrar essa relação. Políticas públicas claras e eficazes são necessárias para garantir que os benefícios da IA sejam distribuídos de forma justa, evitando desigualdades e abusos. A transparência deve ser aplicada tanto na criação de sistemas de IA quanto no uso de obras criativas, assegurando que os artistas saibam como suas criações são utilizadas e possam rastrear os benefícios financeiros decorrentes desse uso.


O governo brasileiro anunciou um investimento significativo de R$ 23 bilhões em inteligência artificial (IA) para o período de 2024 a 2028. A distribuição dos investimentos seria com cerca de R$14 bilhões destinados a projetos de inovação empresarial, visando impulsionar a competitividade das empresas brasileiras no setor de IA. Mais de R$5 bilhões serão investidos em infraestrutura e desenvolvimento de IA, incluindo a aquisição de um supercomputador de alta performance. O plano também prevê investimentos em capacitação de servidores públicos e na melhoria de serviços públicos por meio da aplicação de IA.


Essas iniciativas precisam ser acompanhadas por diretrizes que integrem direitos autorais, princípios éticos e inclusão. Além disso, uma regulamentação internacional colaborativa poderia fortalecer os esforços nacionais, promovendo um ambiente mais seguro e justo para artistas no cenário global.


O plano do Brasil de investir R$23 bilhões em inteligência artificial nos próximos cinco anos representa um esforço significativo para modernizar diversos setores da economia, mas também levanta questões sobre como esse investimento será alocado, especialmente no que diz respeito à economia criativa. Embora a IA tenha o potencial de transformar áreas culturais, como a música e as artes visuais, é fundamental garantir que os recursos beneficiem de maneira equitativa os profissionais e instituições culturais, muitas vezes excluídos das tecnologias mais avançadas. O que nos leva a sermos atentos a desigualdade de acesso à tecnologia, refletida no fato de que apenas 58% das escolas no Brasil têm acesso a computadores com internet, destaca a necessidade urgente de políticas públicas que promovam o letramento digital e a democratização do uso da IA no ensino cultural, preparando futuras gerações para aproveitar essas ferramentas inovadoras.


Diante de uma reflexão a respeito de equilíbrio que nos soa tão utópica, precisamos encarar a realidade e revisar nossos preconceitos sobre o tema ao chegarmos no ponto específico que está sendo discutido. O intelecto está, para alguns, envolto em níveis maiores de controle e robotização do pensamento e da vida, enquanto para outros, em níveis menores. Mas, como indivíduos, todos estamos acorrentados a essa nova realidade desde o momento em que saímos da maternidade. Quanto de “conservadorismo” é necessário para que não percamos todo o controle nessa relação e ainda preservemos alguma parte da nossa personalidade em todo e qualquer processo criativo? Quão flexíveis devem ser nossos pensamentos, como o tipo “monte uma apresentação para mim sobre o tema tal, tal e tal”, ao ponto de nos beneficiarmos dessa maior produtividade proporcionada pelos novos serviços de IA generativa, sem que isso nos leve ao problema abordado na pergunta anterior? Acredito que o foco deve estar em buscar um equilíbrio entre essas duas questões. Na IC CULTURA, teremos esse como um objetivo de trabalho para o ano de 2025: buscar maior praticidade, mas estabelecendo limites e protocolos para que a pessoalidade de cada um não seja excluída de forma direta ou indireta, tanto nas questões organizacionais quanto na parte criativa.


FONTES:


 
 
 

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